Fábio entrou em casa furioso pegando Júlia de surpresa:
-Que foi, amor?
Ele não respondeu a sua mulher e foi para o quarto. Júlia o seguiu:
-Amor? O que aconteceu?
-Não me chame de amor - Respondeu com grosseria. Você não merece!
-Por que está tão nervoso?
-Sei que você não me ama.
-Como é? Tá biruta?
-Não. Só descobri o lógico.
-De onde tirou essa idéia idiota?
-Só juntei os fatos.
-Que fatos?
-Os fatos.
-Fábio. Você andou bebendo de novo?
-Não. É que eu tenho observado a gente em relação a outros casais. Vi que não há sentido em vivermos juntos.
Júlia colocou a mão na testa do marido para averiguar se tinha febre. Ele esquivou:
-Não estou doente! Só sensato.
-Então ficou maluco. Nós somos o casal mais perfeito do bairro.
-Era o que eu pensava, mas me enganei.
Fábio arrumou as malas e chamou um táxi. Na porta de casa. Encarou a mulher com os olhos cheios d'água:
-Posso fazer uma pergunta?
-Pode - Respondeu Júlia, também comovida com aquela despedida- Até duas.
-Você realmente me amava quando nos casamos?
Ela sorriu e tirou as lágrimas dos olhos:
-Amei e sempre amarei.
Ele abaixou a cabeça e chorou:
-Então, unf, por que nunca peidou na minha frente?
-O quê?
-Só quero saber por que nunca soltou um pum na minha presença.
-Eu?
-É. Você.
-Tá brincando, né?
-Não.
-Fala logo. Tá brincando.
-Não, eu não estou brincando.
-Tá brincando quando diz que não está brincando?
-Não. Isso é sério. O Felipe peida na frente da mulher dele, a Isabel flatula na frente do João, o Tiago e a Ana fazem até concurso de flatulação e você nada. Nem um punzinho. Quando senti aquele dia um fedor e te perguntei, tu negou até a morte. Dois anos de casamento e nem um peidinho mísero. Nem um pum mixuruca. Isso mostra o quanto a nossa relação está em crise.
-Vamos acabar com nosso casamento por causa de uns puns?
-Não. Pela ausência deles. Você tem vergonha de mim.
-Não tenho.
-Tem sim.
-Não tenho e nunca tive.
-Então prova.
-O quê?
-Prova.
-Eu não vou soltar gases durante uma discussão familiar.
-Viu? Você tem vergonha.
-Tenho nada.
-Então por que não faz?
-É que... Eu não estou com vontade agora.
Fábio foi abrindo a porta:
-Espera! Tá bom. Eu vou tentar.
Julia fez uma pose como se estivesse andando a cavalo. Começou a tremer. Seu casamento estava em risco. Estava tudo em suas mãos, ou em seu intestino. Estava suando. Deu um grito e caiu de joelhos. Conseguiu o que queria. Alcançou seu objetivo. Foi silencioso e rápido, mas era o bastante para salvar seu estado conjugal:
-E então? Satisfeito?
-Sim.
Os dois se abraçaram:
-Isso me lembra uma coisa. Você também nunca flatulou na minha frente.
Eles se afastaram:
-Isso não é verdade.
-Então prova.
-O quê?
-Vai logo. Peida aí.
-Do nada?
-Do nada.
-Tá bom.
O marido não se esforçou muito. Levantou a perna direita e liberou um som forte e agressivo, seguido por um cheiro desagradável:
-E então? Satisfeita?
Ela tampou o nariz e virou a cara, ventilando com a outra mão ao redor:
-Agora eu sei porque você nunca peidou na minha frente!
Ela o empurrou até o táxi, o obrigou a entrar e ligou para o advogado para acelerar o processo de divórcio.
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